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Crítica | Barbie

Foto do escritor: Caique HenryCaique Henry

Atualizado: 14 de fev. de 2024


Greta Gerwig é uma diretora de muito talento, ela que a cada novo lançamento contribui cada vez mais ao cinema contemporâneo autoral. Seu estilo cinematográfico é singelo e de um olhar sincero diante da complexidade das relações humanas, especialmente entre mulheres jovens e suas jornadas de amadurecimento. Talvez a principal característica do cinema dela seja sua abordagem ponderada e sensível aos temas femininos e as questões sociais que suas personagens vivem. Greta explora tudo que circunda o mundo dessas mulheres, como identidade, relacionamentos, amizade e as lutas pessoais delas em um mundo dominado pelo patriarcado e suas normas culturais. Suas histórias apresentam protagonistas femininas tridimensionais e complexas, desafiando estereótipos e construindo personagens humanos, verdadeiros e reais. Gosto como Greta usa o cinema como uma forma de se expressar, é por meio da arte que ela dá voz não apenas a si, mas a todas as mulheres.


Entretanto, o que mais me agrada no cinema de Greta Gerwig é a sua abordagem formal. Ela demonstra uma habilidade excepcional na decupagem e na concepção daquele mundo utilizando técnicas de direção e narrativas que criam uma experiência visual emocionalmente rica. Ela transforma aquele universo em algo palpável, mas sem perder a magia do cinema. Sua abordagem formalista ajuda a destacar os dilemas e as nuances psicológicas de suas protagonistas, proporcionando uma maior imersão e conexão com o público. Tudo isso com um toque magistral de humor e ironia.


Sendo assim, "Barbie", dirigido por Greta, chega aos cinemas sendo uma das obras mais esperadas do ano, responsável pelo maior "hype" cinéfilo desde de "Vingadores: Ultimato". O longa conta a história da icônica boneca Barbie (Margot Robbie) que ganha vida após começar a questionar o significado de sua existência. À medida que suas dúvidas aumentam, ela toma uma corajosa decisão: abandonar o conforto de Barbielandia e enfrentar a realidade do mundo humano. Ao lado de seu fiel e apaixonado companheiro Ken (Ryan Gosling), Barbie embarca em uma aventura extraordinária para o mundo real. Nesse novo universo, Barbie e Ken enfrentam desafios emocionantes e se veem confrontados com a complexidade da vida humana.


Diante disso, Greta Gerwig traz mais uma obra cinematográfica notável, porém o mais interessante (e diferente) é que em Barbie, ela constrói um filme completamente autoconsciente – até mesmo de certos elementos metalinguísticos. Greta sabe muito bem que tipo de filme está fazendo, ela habilmente brinca com o humor satírico e irônico, criando uma dualidade divertida entre o mundo real e a Barbielandia. Essa subversão do nosso mundo é particularmente cativante e provocadora, pois nos permite observar como a utopia de um mundo governado por mulheres é um lugar perfeito e pacífico, enquanto o mundo real comandado por homens é corrupto e cheio de problemas. Essa dicotomia é pontual e afiada em sua crítica, sobretudo quando mesclada ao humor. Ela, acima de tudo, dita muito bem (pela maior parte do tempo) o ritmo da comédia, brincando com as expectativas do espectador ao modificar as convenções sociais.



Greta não poupa maneiras de desenvolver a sua comédia caricata, afinal estamos falando de uma boneca viva, o exagero recai muito bem nesse sentido. Portanto, uma das formas mais divertidas desse humor está na maneira que a diretora ridiculariza a figura masculina dentro do filme. Não apenas os Kens mas todos os homens são retratados como tolos, desinteressantes e estúpidos. Greta enfatiza isso pelo modo que filma esses homens, como os exageros corporais e comportamentais que geram um constrangimento que funciona excepcionalmente bem dentro da proposta do longa. O humor e a ironia não estão apenas no texto mas também na imagem, estabelecendo um mundo próprio e consistente. A mise-en-scène como um todo é eficaz na criação dessa atmosfera única.


No entanto, mesmo apreciando o humor presente na narrativa, há momentos em que ele se perde, especificamente quando se depara com uma certa "algoritmização". Tenho a sensação de que, em determinado ponto do filme, Greta se rende a essa ideia de cinema de algoritmo, que se manifesta na forma de um cinema referencial, feito para ser compreendido apenas pelos fãs. Me parece que em muitos momentos os "Easter Eggs" são utilizados sem nexo nenhum para a construção narrativa, apenas para fisgar a nostalgia do espectador. Isso, de certa forma, desconecta o espectador mais desavisado (como eu) da obra, fazendo com que perca algumas piadas e ciclos dramáticos, transportando esse mero espectador para um mundo de estranhezas. Ademais, em determinados momentos, o humor autoconsciente presente no filme acaba se aproximando de uma estética “memeficada”, com piadas que aparentam ter sido extraídas de conversas constrangedoras do Twitter. O dilema não reside no constrangimento em si, mas sim na excessiva recorrência desse tipo de humor, o qual ocasionalmente pode se tornar cansativo e desgastante.


A diretora é amplamente conhecida por trazer elementos filosóficos enriquecedores para suas obras, e em seu mais novo longa, essa característica se destaca mais uma vez. Greta explora de maneira profunda e significativa alguns pensamentos da filosofia, em especial o existencialismo. Nesse contexto, Greta nos apresenta uma Barbie que transcende os limites convencionais e figurativos da boneca de plástico, manifestando-se como uma figura existencialista. Essa Barbie questionadora busca constantemente entender seu papel no mundo, almejando um senso de pertencimento e uma razão de ser, ou vir-a-ser. O termo "vir-a-ser" refere-se a um processo contínuo de mudança e transformação, em oposição a uma visão estática do mundo. Esse pensamento perpassa pelas ideias de Nietzsche que tinha uma visão sobre a natureza fluida da realidade, do ser humano e do universo, e de Heráclito que defendia o mobolismo da vida. Portanto, Barbie ao confrontar essas ideias existenciais, explora temas complexos como identidade, mudança, propósito e a inevitabilidade da morte.


É fascinante observar como a diretora transforma todo o empoderamento da clássica boneca em algo mais humano, adicionando graus de uma filosofia tão profunda. Greta convida o espectador a ponderar sobre a essência da vida humana e a mergulhar nas angústias e inquietações da Barbie, que, ironicamente, transcende sua própria condição de boneca para se tornar uma figura genuinamente humana. Greta continua a solidificar seu lugar no cinema como uma diretora espetacular, habilmente mesclando humor e reflexão. Entretanto, é meu desejo que ela não se deixe levar cada vez mais pelo cinema algorítmico, pois esse caminho pode desconectá-la da sua originalidade e da singularidade que a torna tão especial.



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