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Crítica | Canção ao longe

Foto do escritor: Caique HenryCaique Henry

Atualizado: 14 de fev. de 2024


Antes de começar a escrever sobre qualquer filme, eu costumo tirar um tempo para refletir sobre o que senti, quais impactos a imagem pôde me proporcionar e, sobretudo, quais interpretações eu tive diante daquela obra. No entanto, após finalizar “Canção ao longe” algo diferente aconteceu, ponderei por horas sobre o conteúdo do filme. Perguntei-me: toda obra cinematográfica quer dizer alguma coisa? Todo filme tem uma interpretação? Seria a imagem e a maneira como o autor a constrói o suficiente para dizer alguma coisa?


Seguindo essas reflexões, questionei meus professores de cinema, e o Marcio (@cinemacomcritica) recomendou a leitura de Susan Sontag no livro “Contra a interpretação”. O livro apresenta uma série de ensaios, nos quais Sontag critica a predominância da interpretação na apreciação da arte e da cultura contemporânea. Ela argumenta que a interpretação excessiva e a busca por significados ocultos têm um efeito prejudicial na experiência estética.


Sontag inicia o livro discutindo a cultura da interpretação que se desenvolveu ao longo do tempo. Ela afirma que a interpretação se tornou uma espécie de tirania, onde a arte é constantemente traduzida em conceitos e explicações, perdendo sua própria essência. Susan argumenta que essa ênfase na interpretação negligencia a importância da sensibilidade estética direta, da experiência imediata diante da obra de arte. Ela defende uma abordagem mais visceral para apreciar a arte, que valoriza a percepção sensorial e emocional, ao invés de se perder em análises intelectuais.


Sontag defende a ideia mais frontal do cinema e a relação mais direta entre tela e espectador, no impacto imediato da imagem e no que ela provoca. Além disso, Sontag critica a tendência de reduzir as obras de arte a metáforas, símbolos ou alegorias, argumentando que essa abordagem empobrece a experiência estética, transformando a arte em um simples veículo para ideias e mensagens. Ela defende a necessidade de apreciar a arte em sua forma mais pura e complexa, sem tentar decifrar todos os seus significados.

“Para ela, não há que se falar em "conteúdo", pois o conteúdo da obra de cinema é a forma propriamente dita.”


Em vez de interpretar, Sontag sugere que devemos aprender a ver e a sentir a arte, abraçando sua ambiguidade e sua capacidade de despertar emoções e reflexões profundas. Ela encoraja o leitor a experimentar a arte sem as lentes da interpretação prévia, permitindo-se mergulhar na experiência estética, no que toda a mise-en-scène provoca, não o texto mas a imagem.


Meus pensamentos não estão tão distante dos de Susan Sontag, eu acredito que de alguma maneira — mesmo que por meio da imagem — as obras têm seu conteúdo, como um casamento entre estética e conteúdo, ou como o Marcio disse: “Eu acredito que haja o conteúdo, formado por história, personagens e mesmo ideologia, e há uma forma pela qual aquele conteúdo é veiculado”.


Mas a partir dos pensamentos dela, pude começar a entender o que eu senti ao assistir o novo filme da Clarissa Campolina. “Canção ao longe” flui por boa parte de sua narrativa como um poema, suas nuances colocam o espectador em constante reflexão. A imagem (decupagem) guia o nosso olhar como as letras que deságuam no papel. É uma poesia fílmica que observa o ser humano na sua forma mais pura, a complexidade do pertencer e ser. Somos complexos à medida que somos capazes de pensar no nosso lugar no mundo, complexos por tentar entender o nosso propósito, nossas dores, angústias, desejos e ausências. Clarissa faz um filme humano e extremamente íntimo, seu olhar diante de Jimena é singelo, ela explora as dores de sua protagonista por meio da câmera — seus closes constantes que buscam o olhar distante de Jimena, que tenta encontrar um caminho pelo qual percorrer, ou dos seus efeitos Kuleshovs que brincam com os planos e contra planos da imagem impactando o espectador, alterando a percepção de uma situação estimuladora.


“Canção ao longe” é uma viagem pelo que o cinema tem de melhor, a imagem. É fato que ela tem um impacto poderoso, seja pela belíssima fotografia da cidade de Minas Gerais ou pela forma que a diretora decupa. Mas sinto em muitos momentos um distanciamento emocional na concepção do conteúdo (aqui entramos nos pensamentos de Sontag), como se a diretora tentasse se aprofundar em tantas coisas — abandono paterno, negligência materna, crise de identidade, entre outros tópicos — mas acabasse não estabelecendo-se em nada.


É importante perceber isso, pois a narrativa deixa a desejar em muitos momentos, existem situações da narrativa que parecem-me jogadas, como se ela (Clarissa) pouco pensasse na história. No entanto, o fato de eu "não gostar" de um conteúdo não deve me impedir de apreciar a obra, afinal cinema ainda é forma. “Canção ao longe” é cinema formalista puro, é impacto imediato, de uma frontalidade singular que só o cinema pode proporcionar.

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