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Crítica | Asteroid City

Foto do escritor: Caique HenryCaique Henry

Atualizado: 14 de fev. de 2024



Wes Anderson é um diretor cuja abordagem única está profundamente enraizada numa proposta mais formalista. Seu estilo é caracterizado por uma estética visual distintamente marcante e uma narrativa altamente idiossincrática. O formalismo cinematográfico refere-se à prática de enfatizar a estilização consciente dos elementos cinematográficos, resultando numa abordagem que comunica as ideias do autor através da imagem. Portanto, o aspecto visual dos filmes de Wes Anderson é instantaneamente reconhecível. A maneira como ele compõe meticulosamente cada cena assemelha-se ao perfeccionismo de um pintor diante de seu quadro. Os cenários muitas vezes parecem ter saído de um mundo de sonhos, onde cada detalhe é cuidadosamente planejado para se encaixar na visão única do diretor. A autoridade do diretor está presente em toda a mise-en-scène de seus filmes, não apenas na composição visual, mas também na história fabulosa e na construção dos personagens.


Certamente, é significativo reconhecer a raridade dessa autoria nos tempos atuais, especialmente no contexto do cinema comercial norte-americano. Portanto, destacar diretores como Wes Anderson, que são capazes de manter sua identidade artística ao longo do tempo, é crucial, sobretudo quando essa identidade permeia todos os aspectos do cinema. Seja nos movimentos precisos, nos ângulos simétricos ou na paleta cromática empregada, a marca autoral se mantém consistentemente presente. Embora haja quem argumente que seu estilo pode estar saturado, pessoalmente, valorizo imensamente sua determinação em permanecer fiel à sua visão artística. Nesse contexto, "Asteroid City" incorpora seus elementos artísticos, dando ao filme um ritmo singular que apenas Wes Anderson pode conceber. Essa pulsação passeia entre o domínio da fantasia e a influência do humor.



No entanto, é perceptível que "Asteroid City" ocasionalmente se perde na narrativa, revelando-se monótona por muitos momentos. Evito empregar expressões como "correto", "incorreto" e "irregular" ao discorrer sobre cinema, estes termos conferem uma conotação de que a arte possui padrões previamente definidos. Contudo, a descrição mais adequada para "Asteroid City", um filme que oscila entre momentos altamente envolventes e outros menos estimulantes, seria de fato "irregular". O diretor coloca a trama inteiramente a serviço de sua estética marcante e à medida que nos aprofundamos na história, observamos que ela se estreita, mesmo diante de um elenco talentoso, resultando numa sensação de vazio desértico. Wes constrói uma narrativa que se assemelha a uma montanha-russa, elevando o espectador a momentos de encanto e diversão; porém, de súbito, mergulhando num ritmo que facilmente provoca bocejos.


A atenção meticulosa dedicada à estética peculiar de Wes Anderson muitas vezes supera a própria substância da trama. Como espectadores, somos testemunhas de um cenário em que a narrativa parece ser um mero veículo para exibir os elementos visuais do diretor. Ainda que em diversos momentos essa abordagem se revele "eficaz", como ocorre em todas as demais produções do diretor, em certos momentos, a dimensão emocional parece ser deixada de lado em prol da estética, levando a interações que perdem a intimidade de uma conexão direta capaz de enriquecer a experiência do público. Principalmente ao considerarmos a construção dos personagens, nota-se uma falta de apego ou conexão com qualquer um deles (algo pouco usual no cinema de W.A). Ainda assim, é importante reconhecer que "Asteroid City" não é desprovido de méritos; há momentos em que o filme brilha ao capturar a essência do humor irônico e a fantasia que está tão perdida no cinema atual.



A comédia se manifesta nos momentos mais oportunos, uma graça gerada pela ironia e pela constante quebra de expectativa (algo muito característico do diretor). Contudo, o que mais cativa em "Asteroid City" é a sua metalinguagem. O diretor cria um filme que é, na essência, uma peça teatral, onde ele navega habilmente entre a fantasia da encenação e a encenação da própria realidade; é notável que a realidade é transformada em algo fictício, como evidenciado pelo uso do preto e branco, que confere um tom falso ao real. Essa abordagem cria uma estética que está entre o realismo e a fantasia, onde o mundo retratado é familiar, mas ao mesmo tempo estranhamente idealizado.


Todos esses artifícios evocam uma sensação de proximidade pessoal na maneira como Wes explora a arte da encenação e a figura do autor, revelando uma autoconsciência que ironiza a si mesmo. Enquanto os atores da peça buscam uma lógica considerável na arte, os autores provam que nem tudo precisa ser racional. Essa concepção é exemplificada dentro da trama, onde o diretor (Shubert Green) estabelece situações ilógicas que os atores não conseguem decifrar, apenas sentir (figurativa e literal). A metalinguagem que ocorre nesse contexto é fascinante, pois nos instiga a ponderar sobre a não necessidade de calcular cada elemento na criação artística. Nesse âmbito, reside uma ironia autoconsciente, uma vez que Wes Anderson é notoriamente reconhecido como um autor profundamente calculista em sua abordagem criativa.


O fato de o diretor de Asteroid City ser conhecido por sua meticulosa atenção aos detalhes e por sua busca pela estética visual perfeita destaca o contraste entre sua própria metodologia e a "mensagem" de "Asteroid City", gerando um humor satisfatório. Por meio dessa ironia, Anderson nos leva a questionar não apenas as convenções artísticas, mas também as próprias fronteiras de sua abordagem autoral. Ao admitir, através dessa quebra, que a espontaneidade e o não calculado também podem desempenhar um papel válido na expressão artística, o autor revela um aspecto mais multifacetado de sua própria criatividade. Dessa forma, a ironia autoconsciente presente nessa situação transcende o filme em si, servindo como um reflexo da dualidade entre o artista meticuloso e o potencial ilimitado da criação artística. Isso, portanto, nos lembra que a arte é uma forma de expressão fluida. A riqueza de significado subjacente a essa ironia ressalta a profundidade intelectual que permeia o trabalho de Wes Anderson e convida o público a se envolver em uma reflexão mais complexa sobre a natureza da arte, da autoria e da criatividade.

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