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Crítica | Saltburn

Foto do escritor: Caique HenryCaique Henry



Saltburn é meu primeiro contato com o cinema de Emerald Fennell, no entanto a cineasta, com apenas dois filmes em seu currículo, já se destaca pela singularidade de sua abordagem, revelando um autorismo impressionante aliada a uma ousadia e provocação distintas. Ainda que minha esse texto se restrinja a Saltburn, é possível discernir uma marca autoral em Fennell que permeia seu fazer cinematográfico. A estilização de Fennell se configura por meio de uma fusão harmoniosa de elementos visuais arrojados, uma narrativa impactante e uma abordagem provocadora na exploração de temas complexos. Inicialmente, em Bela Vingança, a cineasta direciona seu foco para um discurso de gênero em um suspense dramático. Por outro lado, em Saltburn, ela mergulha nas nuances das classes sociais, imersa em um thriller erótico. Essa transição, portanto, evidencia sua habilidade em contar histórias que abordam temas sociais, entrelaçados por uma subversão ácida e irônica.


O formalismo de Fennell se desvela em Saltburn por meio de escolhas estéticas deliberadas, onde a  linguagem visual desempenha um papel crucial, especialmente na maneira como ela utiliza a paleta de cor vibrantes e suas composições cuidadosamente planejadas para criar uma atmosfera visualmente intensa, em sintonia com as singularidades emocionais de seus personagens. Saltburn se destaca pela exuberância, extravagância e vivacidade que permeiam cada cena, características que refletem uma autoconsciência sutilmente inconsciente. Essa abordagem coaduna de maneira precisa com a vida da elite, que exige uma impecabilidade constante. Diante disso, a mise en scène de Saltburn recai em uma ironia ácida tipicamente inglesa, introduzindo um humor marcado por um exagero linguístico que satiriza a elite britânica. A cineasta, por meio do humor e do impacto visual, subverte os super-ricos, ridicularizando-os, enquanto simultaneamente engaja o espectador em reflexões sobre o capitalismo tardio e o desejo obsessivo dos jovens contemporâneos pela riqueza inatingível. Esse humor absurdista, muitas vezes desafiador para o espectador, confronta-o com o mundo de maneira inteligente e humorística. 


Saltburn é um filme sobre as contradições, delineando um cenário onde o moderno conflita com o clássico, o desejo rivaliza com a moral e a verdade embate-se com a manipulação. Nesse contexto, Fennell concebe uma obra profundamente manipuladora, enganadora e, acima de tudo, exploratória. Seus enquadramentos, a forma como ela brinca com os planos e com a linearidade dos acontecimentos desempenham um papel fundamental na construção desse universo contraditório, meticulosamente padronizado e, ao mesmo tempo, repleto de falhas. Noto uma incrível habilidade em Emerald ao tornar palpável essa tapeçaria de contradições para o espectador. Ao ponto de que o espectador entre em conflito consigo mesmo. Sua decupagem estilizada e exagerada contribui significativamente para a construção e compreensão desse mundo complexo e virtuoso. A utilização da música, por exemplo, se destaca como uma ferramenta habilmente empregada para contrastar e acentuar as nuances desse universo cinematográfico singular.


O design de produção, por sua vez, não é apenas um pano de fundo, mas um elemento ativo na representação visual dessas contradições. Cada detalhe, cuidadosamente calculado, contribui para a ambientação que reflete tanto o artificial quanto o genuíno, criando uma atmosfera que ressoa com os elementos de desejo, obsessão e manipulação presentes na narrativa.


Até mesmo os absurdos narrativos e visuais dos personagens amplificam essa experiência. Fennell utiliza esses elementos de maneira estratégica, desafiando e oferecendo ao espectador um espelho distorcido, porém revelador, de aspectos complexos da sociedade e da psique humana. Ainda que Emerald Fennell não tenha ainda consolidado sua carreira/estilo no cinema e seja objeto de divisão de opiniões, ela parece apresentar uma perspectiva promissora, demonstrando um profundo entendimento da linguagem cinematográfica. Ansioso para os seus próximos trabalhos.


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