A Arte cinematográfica é responsável por demonstrar um mundo que não conhecemos, ela nos conta histórias de vida e vida é Arte. Na arte cinematográfica somos voyeurs da vida dos outros, e não existe exercício melhor de empatia se não conhecendo a vida do outro. A felicidade das pequenas coisas, é um filme de arte! É um filme que nos coloca como observadores (voyers) de um país, de uma região… de uma cultura.
Essa história que nos é apresentada é de Ugyen Dorji um professor sem vocação para o ensino, seu sonho é conseguir um visto para a Austrália, onde poderá cantar nos bares de Sydney. No entanto, é enviado pelo governo à "escola mais remota do mundo", em Lunana, no topo de uma imensa montanha. Lá no alto das montanhas Ugyen depara-se com uma vida pacata e sem tecnologia, ele como homem da cidade detesta essa maneira de viver. Entretanto, ao passar dos dias Ugyen descobre o prazer de uma vida simples e pacata.
Esse Drama de realismo social, parte de um conceito filosófico dito por Jean-Jacques Rousseau – O Mito do Bom Selvagem. Essa tese de maneira simples quer dizer que o homem é naturalmente bom, porém a sociedade o corrompe. Na perspectiva do estreante diretor Pawo Choyning o homem da cidade é corrompido pela frieza, egoísmo e soberba de uma sociedade capitalista, enquanto no campo encontramos vidas simples mas repletas de felicidade e as verdadeiras tradições culturais.
O protagonista Ugyen representa esse “homem da cidade” preso pelas cordas virtuais da tecnologia, que rejeita qualquer forma de representação cultural. É magnífico observar esse contraponto cultural/espiritual do homem cidade com o homem do campo, pois mesmo que ele (Ugyen) manifeste seu desdém com os camponeses, continua sendo tratado com respeito e belos sorrisos.
E na busca inconsciente do seu homem natural Ugyen encontra “ a felicidade das pequenas coisas”. Até mesmo a subida ao encontro de Lunana torna-se importante na visão do autor, pois ela representa essa ascensão aos céus, a esse encontro do homem não-natural a sua verdadeira origem.
“A felicidade das pequenas coisas” tem uma verdadeira fotografia privilegiada, Pawo aproveita muito bem da beleza natural das montanhas e a sua estrutura formal de captar a luz natural me lembra bastante do cinema de Andrei Tarkovsky. Assim como o cineasta russo, Pawo utiliza planos longos, estáticos, mas cheios de vida. Seus movimentos de câmera são tão sutis que tornam-se quase imperceptíveis e claro enquadramentos extremamente simétricos, fazendo do filme uma verdadeira contemplação.
Pawo Choyning traz em seu primeiro longa-metragem um cinema artístico, contemplativo e íntimo, filmando atentamente as mínimas expressões dos rostos tímidos dos camponeses. Sua câmera é respeitosa, valoriza a cultura local – e em planos-detalhe mostra as pilhas de pedras erguidas em homenagem aos deuses, a fogueira acesa com esterco e as janelas feitas com papel de arroz.
Sendo assim, Pawo Choyning é um verdadeiro autor romântico, que acredita em uma natureza humana selvagem, pura, sem a mancha causada pelo mundo corrompido pela civilização. Que esse homem está oculto no interior de cada um de nós, e que essa essência natural/selvagem torna-nos livres, uma liberdade social, espiritual, emocional e sentimental.
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